quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ruanda - A história que não se conta: crimes contra hutus, entre 1990 e 2002

O tribunal nacional descobriu uma realidade que não foi investigada pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que se limita a julgar os massacres contra a população Tutsi entre abril e julho de 1994 e deixa na impunidade os crimes cometidos contra os hutus ao longo da década, entre 1990 e 2002. O que se segue é um resumo da história contida no acto de processamento do magistrado Fernando Andreu a quarenta altos funcionários do actual governo ruandês, por crimes contra a humanidade e genocídio. Uma história que se explica pouco, porque revela a pilhagem econômica que incita o conflito étnico.

A guerra começa
Em 1 de Outubro de 1990, cerca de 3.000 soldados da FPR (Frente Patriótica do Ruanda: braço político, o Exército Patriótico de Ruanda: ala militar), equipados e treinados pelo Uganda de Museveni - amigo dos Estados Unidos e Reino Unido - invadem o nordeste do Ruanda e massacram a população, provocando ondas de refugiados entre os Hutus perseguidos. Os ocupantes são os filhos da aristocracia tutsi favorecida pelo governo colonial que tinha “deixado” o país, por não aceitar o resultado das eleições de 1961, que levaram à presidência o hutu Grégoire Kayibanda em uma Ruanda constituida em república democrática, que se declarou independente em 1 de Julho de 1962.

O isolamento armado de FPR persegue três objectivos: o extermínio dos hutus, a conquista do poder pela força – ainda mais sacrificando os tutsis que haviam permanecido no país, considerados traidores – e a articulação de uma estratégia com a participação de aliados ocidentais para aterrorizar a região dos Grandes Lagos e apropriar-se das riquezas do vizinho Zaire (hoje Congo).

Matanças selectivas
Intelectuais e líderes políticos hutus são eliminados, a fim de silenciar as vozes de consenso medir a resposta da população civil aos crimes. Entre outras, a 8 de maio de 1993 é assassinado Emanuel Gapsysi, líder do Movimento Republicano Democrático e líder do Fórum para a Paz e Democracia, e em 21 de Fevereiro de 1994 Felicien Gatabazi, presidente do Partido Social-Democrata. As operações são executadas pelo comando Rede, um grupo de elite treinado para matar a sangue frio. O partido do governo criou a sua milícia, o Interahamwe, que atacam a população tutsi. O FPR é inteligente o suficiente para atribuir os próprios ataques ao Interahamwe. Isso gera confusão sobre as origens da violência e uma situação caótica que faz com que o país seja ingovernável.

Frente Política e mediática
A estratégia da FPR centra-se em provocar a raiva dos hutus massacrando a líderes hutus e as populações deste grupo. O FPR faz tudo para construir uma imagem inclusiva através da infiltração das missões diplomáticas. Criar um canal de expressão para reviver os confrontos étnicos: Rádio Muhabura, activa desde 1991 e que em 1993 teria resposta na televisão Radio Libre das Mil Colinas, nas mãos de milícias hutu. Atacando os membros da Igreja, considerada culpada da perda de poder tutsi em 1961, por ter denunciado a fidelidade dos hutus ao estatuto privilegiado dos tutsis, uma desigualdade reforçada pelos interesses coloniais. Liquidar testemunhos que pudessem transmitir uma versão não manipulada dos eventos.

"Gukubura ": limpeza
No início de 1994 havia um milhão de refugiados no interior do país que fugiam das matanças de FPR. Muitos cadáveres foram queimados e os campos são atacados com armas pesadas. Em 14 de março de 1994 se ordenou a gukubura a limpeza total de qualquer elemento hutu nas regiões de Byumba, Umutura e Kibungo. As zonas vazias são ocupadas pelos tutsis provenientes de Uganda. Os presidentes mortos em 6 de Abril de 1994, o Falcon 50, em qual viajam os presidentes de Ruanda e Burundi, Juvenal Habyarimana e Cyprien Ntayamira, é atacado por dois mísseis enquanto se prepara para aterrar em Kigali. Todos os ocupantes morrem. De acordo com pesquisas recentes, a ordem veio de Paul Kagame, um militar treinado em Estados Unidos e máximo responsável da estrutura político-militar da FPR /APR e que tem como finalidade criar um estado declarado de guerra civil, para facilitar a operação de assalto ao poder. A ONU se recusou a investigar.

Violência calculada
O assassinato do presidente Hutu leva a uma espiral de violência calculada contra a população tutsi. O FPR ataca o exército ruandês sujeito ao embargo internacional de armas (FPR recebe armas de Uganda). É a batalha final para a conquista do poder que se resolve a favor dos tutsi de FPR, em 17 de julho de 1994. Desde abril a julho os massacres são relatados e leva a aproximadamente 500.000 vítimas, segundo o ACNUR. Esse episódio passa a história como o genocídio de Ruanda e a comunidade internacional tem escrito uma das suas mais lamentáveis páginas quando a ONU se retirou e deixa a população indefesa. Se bem que a maioria dos mortos eram tutsis, se tem dado pouco a conhecer, até recentemente, a violência contra hutus por parte de FPR: 150.000 assassinatos, desde o momento da invasão, e mais 312.726 entre julho de 1994 e Julho de 1995.

Denúncia Vallmajó
Em 23 de abril cerca de 2.500 camponeses hutus desarmados são metralhados no campo de futebol de Byumba. Paul Kagame dá a ordem. Os corpos são queimados no Parque Akagera ou enterrados em valas comuns. Em 24 de Abril são assassinadas mil pessoas na Escola Social de Bom Conselho e no Centro Escolar de Buhambe. Em abril de 26 de abril militares de APR/FPR levam um padre branco, filho de Joaquim Navata Vallmajó Sala, e os sacerdotes hutus José Hitimana, Faustin Mulindwa e Fidèle Milinda. Seus corpos não foram encontrados. Vallmajó era um testemunho perigoso que difundia as violações dos direitos humanos, também as dos extremistas tutsis de FPR, e denunciou a sua campanha de desinformação.

Testemunhos molestos
Os cooperantes de Médicos do Mundo, Maria Flors Sirera Fortuna (nascida em Tremp), Manuel Madrazo Osuna (Sevilla), Luis Vultueña Gallego (Madrid) também são provas do regime de terror imposto pelo FPR uma vez chegado novamente ao poder. Em dezembro de 1996, iniciam um projeto de saúde para 200.000 pessoas. Em 16 de Janeiro de 1997, um vizinho lhes mostra as valas comuns com centenas de cadáveres do massacre do campus Universitário de Nyakinana. A visita é detectada pelos serviços secretos e isto representa sua sentença, executada dois dias depois. Seguindo a mesma estratégia de silenciar as vozes críticas são assassinados os espanhóis Servando Mayor, Julio Rodríguez, Miguel Angel Isla e Fernando de la Fuente (31 de outubro de 1996, no campo de refugiados de Nyamitangwe) e o sacerdote guipuzcoano Isidro Uzcudun, que foi baleado na boca como uma mensagem (10 de Junho de 2000, em Mugina). São nove as vítimas espanhóis.

Perseguição aos refugiados
A tomada do poder pela FPR/APR faz que milhares e milhares de hutus busquem proteção em campos situados na zona oeste de Ruanda e que, a ser atacados, atravessam a fronteira com a Tanzânia, Burundi e Zaire. Em julho de 1994, há quase 3 milhões de refugiados ruandês, mais de um milhão no Zaire. Em Ruanda os massacres continuam em 95, 96 e 97 como a propagação de conflitos ao Zaire: Laurent Kabila se levanta contra Mobutu no fim de 1996 e com um exército de unidades ruandesas, ugandesas e burundesas toma o poder em julho de 1997. Um ano depois, quando não aceita a tutela externa em seu país - agora designada Congo – fazem a guerra desde Kivu, zona que controla Ruanda. (Kabila seria assassinado em 2001 por um comando da FPR) Os campos de refugiados são bombardeados pelo FPR e as câmeras recolhidos. Ruanda declara acabada a guerra e abre as fronteiras.

Triste papel de ACNUR
Embora o relatório Gersory já havia verificado em 1994 que o regime de Kigali não reunia as condições de segurança, o Alto Comissário das ONU para os Refugiados (ACNUR) inicia o programa de repatriação forçada dos hutus ruandeses a seu país, onde lhes aguarda a prisão e a morte. Metade deles, cerca de 500.000 recusam voltar e no final de 1996, começam dentro do território congolês, uma longa caminhada – mais de 2.000 quilômetros, árdua, a falta de alimentos e remédios - um êxodo incerto para tentar salvar a vida, perseguidos como um objectivo militar, mas inexistente aos olhos da comunidade internacional: ACNUR proclama que todos os ruandeses voltaram voluntariamente para casa. Em janeiro e fevereiro de 1997, Juan Carrero e outros membros na Fundação S'Olivar fazem greve de fome reclamando o fim da violência na região dos Grandes Lagos. Emma Bonino, Comissária Europeia para a Acção Humanitária, visita o campo de Tingi-Tingi, acompanhada de câmeras para mostrar ao mundo que os refugiados estão lá. Logo após vai ali mesmo Sadako Ogata, Alta Comissária da ONU para os refugiados e afirma que só pode assegurar a protecção daqueles que voltar ao Ruanda. O campo Tingi-Tingi é destruído em 1 de março pelo FPR; estavam concentradas ali cerca de 300.000 pessoas. Alguns dos quais haviam abandonado o local e conseguiram chegar à República do Congo [Brazzaville] ou a república Centro-Africana. No total cerca de 500.000 refugiados perdem a vida

A presa
A tutela que não aceita Kabila de seus amigos ruandeses é a da pilhagem das vastas riquezas naturais do seu país, na realidade, o principal argumento da primeira guerra do Congo (no final de 1996 e 1997, que leva Kabila ao poder), da segunda guerra do Congo (em 1998 a invasão do Uganda e Ruanda, com o apoio dos Estados Unidos), também conhecida como o genocídio de Congo, e da violência que até hoje continua. O resultado? Cerca de 6 milhões de mortos desde 1996. Embora apresentado ao mundo como uma guerra tribal o fogo está atiçado desde o Ocidente. Alguns anos atrás a congressista dos Estados Unidos Cynthia McKinna denunciou o envolvimento directo da American Mineral Fields (Campos Minerais Americanos) e até agora dezenas de empresas multinacionais de mineração americanas, canadenses e europeus financiam o conflito, saqueando e extraindo ouro, diamantes, coltan, cassiterita e madeira dentro regime neo-esclavagista.

Fonte:CasasdeÁfrica.
Traduzido por Abenaa.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Acordo de Lisboa 19.12.74

O Acordo de Argel, foi um acordo assinado em 26 de Novembro de 1974 em Argel, pelos representantes de Portugal e do PAIGC, na presença do presidente argelino Houari Boumedienne. Com este acordo é definida a independência de São Tomé e Príncipe para 12 de Julho de 1975 e a independência da Guiné-bissau para 10 de Setembro de 1974. Em relação à Guiné-bissau, ficou definido nesse acordo que as tropas portuguesas sairiam do território até à data limite de 31 de Outubro de 1974. (in wikipédia)
*
A 19 de Dezembro de 1974, assinava-se, em Lisboa, um Acordo que determinava o calendário e os demais processos prévios ao reconhecimento do Estado de Cabo Verde e a proclamação da independência do arquipelágo.
Estabeleceu-se neste acordo, entre outros, que seria criado em Cabo Verde um Governo de Transição, presidido por um Alto-comissário indigitado por Portugal e constituido por mais cinco ministros, sendo dois escolhidos e nomeados por Portugal e os demais três indigitados pelo PAIGC. Fixou-se, ainda, 5 de Julho de 1975 a data para a proclamação da independência e a investidura dos representantes do povo de Cabo Verde.
TEXTO DA PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA DE CABO VERDE (in Boletim Oficial da República de cabo Verde n.º 1, de 05 de Julho de 1975)

Diz a História que as reiteradas tentativas de emancipação social das nossas ilhas, embora tenham deixado mártires e gerado heróis anónimos, foram sempre estranguladas pela opressão colonial.
Coube às modernas gerações, iluminadas pela ideologia de libertação dos povos colonizados e impregnadas do espírito de Bandung, compreender que o problema da miséria e do atraso social das ilhas de Cabo Verde reconduzia-se a um problema político e, como tal, jamais poderia ser resolvido no quadro da sujeição colonial e da alienação da liberdade humana. Antes de mais postulava a reinvindicação e a luta pela independência.
Todavia, para empreender com êxito esta luta, desigual face à expressão numérica das realidades em confronto e ao prestígio de falsos valores dominantes em vastas regiões da comunidade internacional era, na conjuntura histórica, necessário que os Povos Africanos superassem a escala nacional e potenciassem a sua energia vital na cooperação de esforços e na unidade de propósitos revolucionários.
Assim, AMÍLCAR CABRAL, Fundador e Militante N.º 1 do P.A.I.G.C., concebe a genial idéia de renovar no sentido do Povo e de reestruturar na matriz política da libertação dos Povos do Terceiro Mundo, a Unidade dos filhos da Guiiné e Cabo Verde. Assim se funda e se constrói o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, força de expansão revolucionária e aglutinante da consciência nacionalista na Guiné e em Cabo Verde, motor histórico de renovação mental, social e ideológica, segundo as linhas da acção construtiva e da pedagogia política do nosso imortal guia, Amílcar Cabral.
O princípio da Unidade da Guiné e Cabo Verde, concebido para a luta e forjado na luta, que já estava prefigurado na nossa comunhão de sangue, de martírios e de História, deu provas irrecusáveis como factor decisivo de mobilização da consciência nacional, de organização para a luta e de transmutação da nossa Sociedade.
Coroada de glória a confrontação política e armada na Guiné Bissau, onde se iniciou a denúncia do Império Colonial Português, o P.A.I.G.C. intensificou a luta revolucionária nas Ilhas: lançou justas palavras de ordem correspondentes às profundas aspirações e aos interesses vitais do nosso povo, mobilizou as camadas trabalhadoras alienadas à omnipotência do Estado Colonial, deu aos trabalhadores públicos e da actividade privada uma nova consciência de dignidade na liberdade, inspirou greves e manifestações de protesto contra actos repressivos da Ordem Colonial, dinamizou movimentos de massa para reinvidicação de bens e valores pertencentes ao sagrado património do Povo.
Assim, a vontade inequívoca das massas populares confirmou, no terreno firme e eloquente dos factos, a legitimidade representativa que o P.A.I.G.C. haviam reconhecido as mais altas instâncias da Organização da Unidade Africana e das Nações Unidas.
Assim, nós, Povo das Ilhas, quebramos as cadeias da subjugação colonial e escolhemos livremente o nosso destino Africano. E a História reterá que filhos do nosso Povo glorioso de Cabo Verde, que se bateram com valentia na frente de luta armada na Guiné, estiveram prontos e decididos para o combate armado em Cabo Verde também, se tal viesse a revelar-se como a única via para a libertação das nossas queridas Ilhas.
Povo de Cabo Verde.
Hoje, 5 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde Proclama Solenemente a República de Cabo Verde como Naçção Independente e Soberana.
Camaradas e compatriotas,
O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde foi e continuará a ser a força, a luz e o guia do nosso Povo. Como na República irmã da Guiné, e em Cabo Verde, continuará a ser a força política dirigente da nossa Sociedade hoje totalmente livre.
A República de Cabo Verde é estado de vocação democrática e opção anti-imperialista, onde o poder soberano é exercido no sagrado interesse das massas populares, impondo-se-lhe como objectivo primeiro o prosseguimento na luta pela libertação total do Povo e a consequente edificação duma sociedade isenta de exploração do homem pelo homem.
A República de Cabo Verde assume o solene compromisso de promover a organização económica do País e de criar as bases materiais para a participação no avanço da Ciência e da Técnica e no desenvolvimento da Cultura humanística, rumo ao bem-estar e ao progresso integral do Povo e à realização final da Paz na convivência humana.
As Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), nascidas no fragor da batalha pela Independência Nacional, são o braço armado do nosso Partido, ao serviço do nosso Povo. A elas cabe, em primeiro lugar, defender a soberania nacional e a integridade do território, salvaguardar as conquistas revolucionárias do Povo e participar na construção do País, pelo combate ao sub-desenvolvimento e às suas componentes: a miséria, a fome, o analfabetismo.
A conquista da Independência de Cabo Verde é ... ímpar no evoluir da nossa existência, não só para as heroícas populações confinadas ao exíguo espaço da nossa insularidade, mas também para toda a Comunidade Cabo-verdeana esparsa pela Europa, América, Ásia e Oceania. Vitória para África, Mãe Eterna, berço de Culturas e Civilizações milenárias.
A República de Cabo Verde e a República da Guiné-Bissau são duas flores nascidas do esforço e de sacrifício comuns dos filhos da Guiné e Cabo Verde, unidos num mesmo combate, sob a bandeira gloriosa do nosso Partido. Como os filhos de Cabo Verde, que na terra livre da Guiné-Bissau contribuem, como nacionais, para a construção do País, os filhos da Guiné-Bissau terão nesta terra mais uma Pátria, gozando dos mesmos direitos e sujeitando-se aos mesmos deveres que os cidadãos livres da República de Cabo Verde. E o dia não vem longe em que as duas Nações irmãs, associadas numa união fraterna – dois corpos e um só coração – constituirão a bela realidade que o melhor filho do nosso Povo, Amílcar Cabral, sonhou e fez consagrar no Programa Maior do nosso Partido.
A República de Cabo Verde solidariza-se com todos os Povos que lutam pela emancipação social, em particular com os povos do nosso continente, no combate contra o colonialismo, o racismo e o neo-colonialismo. Ela participa activamente na luta pela Unidade dos Estados Africanos, princípio vital da sua existência e missão no Mundo, na base do respeito estrito da liberdade, dignidade e personalidade colectiva dos respectivos povos.
A República de cabo Verde propõe-se, na base do Direito Internacional, estabelecer e estreitar laços de amizade, de cooperação e solidariedade com os Estados Africanos e com todos os demais Estados que reconheçam e respeitem a sua soberania e apoiem a sua justa luta pela libertação de todas as formas de sujeição e alienação. Ela dá uma particular atenção à criação e desenvolvimento de relações de franca cooperação, no interesse recíproco, com países que tradicionalemente acolhem emigrantes caboverdeanos os quais, pelo trabalho perseverante e honesto, têm contribuído para a construção económica dos outros continentes.
No concerto das Nações, e de acordo com as opções do nosso Partido, a República de cabo Verde adopta os princípios de respeito mútuo da soberania nacional, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, da reciprocidade de interesses e vantagens, do não alinhamento, pela paz e cooperação entre os Povos.
A República de Cabo Verde lança um apelo a todos os Estados Independentes, organizações e organismos internacionais, para que a reconheçam de jure como Estado soberano, de harmonia com o Direito e a prática internacionais.
Viva a República de Cabo Verde!
Viva a República da Guiné-Bissau!
Glória Eterna a todos os heróis e mártires da libertação nacional!
Glória Eterna a AMÍLCAR CABRAL, Fundador e Militante N.º 1 do nosso Partido!
Viva o PAIGC, Força, Luz e Guia do nosso Povo, na Guiné e Cabo Verde!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Thomas Sankara, íntegro líder revolucionário africano

As lutas para a segunda liberação da África (I)
O período das independência dos países africanos a partir de finais dos anos 50 e princípios dos anos 60, marca uma etapa importante na vasta luta dos povos africanos por libertar-se do jugo colonial e de todas as demais formas de dominação estrangeira. Este período suscitou grandes esperanças nos povos africanos. Foi percebido como uma etapa crucial para um desenvolvimento endógeno cujos pilares seriam a soberania política dos povos e controle dos recursos naturais.

As independências da década de 1960 representaram uma total vitória sobre a ideologia imperialista da pretendida “missão civilizadora'' do Ocidente em África. Estas independências haviam contribuido a restaurar algum orgulho aos africanos, abrindo uma via para a redescoberta e a reapropriação da verdadeira história do continente. Sob o impulso do presidente Nkrumah, os primeiros países independentes haviam iniciado um processo de unidade, que culminou na criação da Organização da Unidade Africana (OUA), em 25 de Maio de 1963, em Addis Abeba (Etiópia). Esta unidade, apesar das diferenças ideológicas e políticas dos líderes africanos, dava um novo impulso às lutas de liberação no continente e na luta contra o odioso regime de apartheid na África do Sul. As independências tiveram também alguma influência sobre as lutas dos povos africanos contra a opressão e a discriminação que sofriam. Foi sobretudo do movimento pelos direitos cívicos dos E.E.U.U. nos anos sessenta.

I) Os limites da primeira liberação de África

Portanto 50 anos mais tarde, não podemos deixar de notar que as independências não haviam terminado com a dominação do continente africano. Sobretudo, não conduziram a uma ruptura com o modelo herdado da colonização. A dependência externa de África aumentou, o controle e a pilhagem dos seus recursos se deterioraram e a perda de soberania sobre a elaboração de suas políticas de desenvolvimento acelerou-se com os programas de ajustes impostos a quase três décadas pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar da criação da União Africana e da existência de vários grupos regionais, a África está muito longe da unidade, como tem demonstrado as negociações com a UE sobre Acordos de Parceria Económica. Sem dúvida alguma, o continente carece de liderança que pode mobilizar as pessoas em torno de uma visão ousada e unificadora, como fizeram Nkrumah (Gana), Nasser (Egipto), Nyerere (Tanzânia) e muitos mais na ocasião das independências.

A) nascimento do neocolonialismo

Uma grave carência destas independências decorre do fato de que a maioria delas foram concedidas pelas antigas potências coloniais, as quais as torna em independência superficial. Como resultado, essas potências coloniais substituiram a colonização indirecta – o neocolonialismo - à colonização directa. Quase todas as relações de dominação permaneceram intactas assim como as instituições criadas com o fim de legitimá-las. Tanto que na maioria dos casos, a independência foi uma farsa e dava a ilusão de uma''soberania'' que só existia no papel. De facto, alguns países que se encontravam nesta categoria serviram de base para desestabilizar a outros países realmente independentes e alguns movimentos de liberação nacional de paises ou nacões ainda dominados. Por exemplo, na África Ocidental, Costa do Marfim e Senegal têm sido utilizados pela França para desestabilizar a Guiné, durante os anos da presidência de Sékou Touré.

Na esfera económica, estas políticas de desestabilização consistiam em sabotar economicamente ou em estrangular as finanças do país para impedir o sucesso dos esforços de reconstrução nacional dos regimes “hostis”. A nível político, levaram a cabo alguns golpes de estado contra líderes acusados de ''pro-comunistas'' por os países ocidentais durante a Guerra Fria. Foi o caso do presidente Nkrumah em Gana e do presidente Modibo Keita em Mali. Em outros casos, foram cometidos crimes hediondos, como os assassinatos de Patrice Lumumba no Congo ou Thomas Sankara em Burkina Faso. Portanto, um dos factores mais importantes do relativo fracasso da primeira libertação de África foi a substituição do colonialismo pelo neocolonialismo. As estruturas económicas, financeiras e políticas que serviu para subjugar os africanos e para a pilhagem dos seus recursos permaneceram intactas. Além disso, as antigas potências coloniais estabeleceram bases militares ou impuseram acordos de defesa que lhes deram o controle sobre os exércitos recém-criados daqueles países e, portanto, sobre a sua segurança. Através deste controle, as antigas potências coloniais foram capazes de realizar uma desestabilização permanente dos novos estados, como evidenciado a proliferação de golpes militares que assolaram o continente durante as duas primeiras décadas e depois.

B) A continuidade e persistência da ''balcanização''

O triunfo do neocolonialismo se tornou possível graças à persistência da balcanização do continente, herdado do período colonial. Ao concordar em manter as fronteiras definidas pelos colonizadores, os jovens estados africanos agravaram a sua situação de debilidade, sua fragilidade e incapacidade em resistir às pressões das antigas potências coloniais. Esta balcanização consideravelmente limitava o alcance do projecto de unidade africana, que representava a Organização para a Unidade Africana (OUA), o antecessor da União Africana (UA). Entretanto, o presidente Nkrumah havia advertido sobre os perigos desta divisão, ao dizer que ''Africa deve unir-se ou perecer.'' Mas não tinha sido escutado. À luz da situação actual do continente, sua advertência soa como uma profecia e África ainda está pagando um preço muito alto por sua fragmentação, tanto político como económico. A principal razão do fracasso dos esforços realizados para alcançar uma verdadeira união política reside talvez nas pressões e sabotagens das antigas potências coloniais, que vêem nesta unidade um perigo para a manutenção de sua dominação. A rejeição da maioria dos presidentes dos países independentes é um segundo factor.
Eles preferem manter suas ''independências'' e especialmente a sua bandeira, suas relações bilaterais ''privilegiadas'' com a sua antiga metrópole. Este é particularmente o caso dos países “francófonos”, isto é, das antigas colônias francesas. Explica, por exemplo, o fracasso de algumas tentativas de unificação, como a Federação de Mali, entre ele presentes o Mali e o Senegal. Explica também a manutenção de uma moeda como o franco CFA, totalmente controlada pela França.

Finalmente, a Guerra Fria entre o bloco soviético e os países ocidentais contribuiu também para minar a unidade dos países africanoa e aumentar as divisões entre os líderes africanos, submetidos a uma constante pressão por ambos os lados.

C) Debilidade da liderança

Uma parte dos factores herdados da colonização, a natureza da liderança africana, especialmente na maioria dos países cuja independência tinha sido “outorgada'', desempenhou um papel importante na persistência da balcanização e do fracasso da Primeira liberação da África. De facto, em muitos países, os líderes concordaram com os planos da metrópole, ou seja, a aplicação do neocolonialismo. Ao aceitar a continuidade das relações herdadas da colonização, aqueles líderes renunciaram a qualquer intento de transformação económica e social e a um autêntico programa de construção nacional e de unificação africana. Assim, fomentavam o fortalecimento dos laços de dependência que os unia com a metrópole, em todos os âmbitos. Na verdade, a maioria dos líderes dos primeiros anos das independências tinham uma “consciência nacional” bastante fraca, isto é, tal como entendia Frantz Fanon, que careciam de vontade política e certa disposição para superar os interesses pessoais ou de grupo com o fim de defender os interesses vitais da nação. Muitos líderes não tinham outra ambição que a de exercer o poder para tirar proveito. Seu compromisso com a ideologia neocolonial era mais fácil ainda porque tinham herdado de países sem verdadeira infraestrutura e com uns recursos humanos muito limitados. Se juntarmos a desconfiança de alguns líderes de seus próprios povos e intelectuais, muitas vezes considerados como umas simples perturbações, entendemos a facilidade com que os presidentes se renderam ao controle da metrópole. A preponderância deste tipo de liderança que levou ao fracasso de todos os intentos de unidade política de África assim como de integração económica, a nivel sub-regional e continental. Na verdade, a natureza da liderança na maioria dos países foi e continua sendo um dos principais problemas do continente. Portanto, a combinação destes fatores explica o fracasso da primeira libertação de África, iniciada pelas independências no início dos anos sessenta. Este fracasso foi ainda mais palpável quando o FMI e o Banco Mundial inicaram suas intervenções no final dos anos setenta, como resposta à crise da dívida externa. Eles encontraram um continente que, em grande parte, foi encaminhado para o processo de recolonização. A maior parte das realizações destas duas primeiras décadas de independência tinha sido questionada. Os estados pós-coloniais estavam enfrentando uma profunda crise de legitimidade após o fracasso do projeto neocolonial, o qual foi um dos elementos-chave. O Banco Mundial e o FMI não fizeram outra coisa senão exacerbar esse processo de recolonização impondo seus programas de ajuste estrutural nos anos oitenta.

II) As lutas pela segunda libertação de África

No entanto, aquilo não foi suficiente para quebrar a resistência dos povos africanos. Ao contrário, os sindicatos de trabalhadores se opuseram fortemente aos planos de austeridade impostos pelo FMI e o Banco Mundial. Os intelectuais africano, através de várias ONGs e institutos de investigação, desmontaram as análises e as teorias daquelas duas entidades. A OUA e a Comissão Económica para África (ECA), publicaram o Plano de Acção de Lagos (LAP), um primeira e ousada tentativa do continente em romper com os modelos herdados da colonização. Este plano, resultado de vários anos de discussões e reuniões entre líderes e intelectuais africanos, foi um produto 100% Africano, sem intervenção externa. Mas alguns meses mais tarde, o Banco Mundial publicou um documento conhecido como o ''Plano Berg'', o nome do seu autor, Elliot Berg, cujo objectivo principal era contrariar o Plano de Lagos. Politicamente, e apesar de recursos escassos, a OUA continuava mobilizando a opinião africana e internacional para apoiar a luta do povo sul-Africano contra o odioso regime do apartheid e libertar as últimas colônias do continente.

A) As contribuições de Sankara

Neste contexto, a figura emblemática de Thomas Isidore Sankara, um líder carismático da revolução burkinabé, toma uma dimensão significativa. O advento de Sankara e seus companheiros ao poder foi o resultado da resistência liderada pelas forças políticas e sociais africanas contra o neocolonialismo e as tentativas de recolonização dos programas de ajustamento estrutural. Sankara e seus companheiros de armas tomaram o poder em um país considerado como um ''dos mais pobres'' do mundo! O génio de Sankara consistiu em entender que a primeira coisa que tinha de fazer era emancipar as mentes de seus conterrâneos e de descolonizar suas mentes. Isso explica por que começou a restaurar seu orgulho convertendo o''alto Volta'' em Burkina Faso'', ou ''país dos homens íntegros''. Não foi uma simples mudança de nome, como aconteceu com o Zaire de Mobutu. Com Sankara, essa mudança tinha um fundo ideológico, político e cultural. A referência ao ''país os homens íntegros'' permitiu que o povo recuperasse o seu orgulho e dignidade, para que tenha confiança em si mesmo e fé na sua capacidade de trabalhar um futuro, baseando-se principalmente em suas próprias forças.

As lutas para a segunda libertação de África (II)

A luta pela segunda libertação da África está numa fase avançada, e a batalha se estende a todas as frentes. Apesar das aparências, a África está no caminho da sua emancipação. As convulsões actuais são sinais anunciadoras de uma nova África que nasce em meio da dor. Os povos africanos retomaram a tocha acesa por Nkrumah, Lumumba, Sankara e outros líderes e intelectuais africanos, a fim de cumprir a sua missão. Não querem continuar permitindo que outros falem em nome da África e decidam por ela.

1) Um líder visionário
Além de ser um revolucionário sincero, Thomas Sankara era um grande visionário, como Kwame Nkrumah (Gana). Na verdade, todas as grandes questões que constituíam o núcleo das lutas dos povos africanos e dos debates internacionais, tinham estado na mira das políticas implementadas por Sankara. Ele tinha dado grande importância à proteção do meio ambiente, que agora se tornou uma prioridade mundial. Ele entendeu também que a liberdade e a independência de um país deve fundamentar-se na capacidade deste país de se alimentar por si só. Daí a grande mobilização do povo de Burkina Faso para alcançar a soberania alimentar. Para além desta soberania, exortou o seu povo a consumir o que produzia. Estas políticas foram os pilares da sua visão de um desenvolvimento autocentrado, em ruptura com a herança colonial e imperialista. A luta contra a corrupção, muito em voga nestes dias, e que os países ocidentais utilizam como condição para a concessão de sua suposta “ajuda", era uma das prioridades de Thomas Sankara. Não fazia para obter os ''favores'' dos países desenvolvidos, mas para limpar a moral pública e fortalecer a confiança do povo em seus líderes e instituições públicas. A promoção e a protecção dos direitos das mulheres, a guerra contra todas as formas de discriminação de gênero, também fazia parte das prioridades da sua política. Como a dívida de África, foi o único chefe de Estado que a denunciava como um instrumento de dominação e até mesmo como uma nova forma de escravização do continente. Em julho de 1987, poucos meses antes de seu assassinato, disse: ''a dívida, sob a sua forma actual, é uma reconquista da África, perpetrada de forma inteligente, para que seu crescimento e seu desenvolvimento sigam certos padrões, umas normas totalmente desconhecidas por nós. Fazendo de tal modo que cada um de nós se torne num escravo financeiro, isto é, o escravo sem mais, de pessoas que provaram ser suficientemente oportunista, maliciosa e mentirosa como para investir seus recursos em nossos países com a exigência de que os devolvéssemos.'' Esta análise pertinente do papel da dívida externa da África ainda exemplifica o carácter visionário da liderança de Sankara. Na verdade, a dívida provou ser um instrumento de dominação nas mãos dos países ocidentais, o Banco Mundial e o FMI para recolonizar África e acelerar a pilhagem dos seus recursos através da privatização e outras políticas neoliberais que têm tirado os países africanos o direito de desenvolver as suas próprias políticas de desenvolvimento.

2) Herdeiro dos líderes e pensadores revolucionários
Os pensamentos e as acções de Thomas Sankara assumiram sua principal fonte de inspiração em alguns dos ''pais da independência'' e os eminentes pensadores do continente. Na verdade, Thomas Sankara era um digno herdeiro de Kwame Nkrumah, Patrice Lumumba, Amílcar Cabral, Julius Nyerere, Gamal Abdel Nasser, Ahmed Ben Bella, Steve Biko e muitos outros líderes revolucionários e panafricanistas. Sankara conhecia também as idéias de grandes pensadores africanos e da Diáspora, como Cheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo, Frantz Fanon, Osende afana, Felix Moumié, Abdou Moumouni, William E. DuBois, Malcolm X, Walter Rodney e muitos outros pensadores pan-africanistas. Mas Thomas Sankara, como revolucionário, foi também influenciado por outros pensadores revolucionários a nivel mundial. Nesse sentido, organizou uma semana antes de ser assassinado uma cerimônia de comemoração do grande revolucionário e indomável combatente para a liberdade que foi Ernesto ''Che'' Guevara. Esta homenagem foi também uma forma de demonstrar a sua profunda admiração e indefectível apoio para a Grande Revolução cubana liderada por Fidel Castro. Apoiava todos os povos na luta contra o imperialismo e o neocolonialismo. Aproveitava todas as oportunidades, tanto em Burkina Faso como fora do país para denunciar as agressões e os crimes do sistema imperialista mundial contra os povos do mundo, e para apoiar as lutas dos povos e das nações contra o colonialismo e a exploração do sistema capitalista. Para Shankara, esse apoio era muito natural, pois que para ele, a revolução de Burkina Faso era herdeira de todas as revoluções do mundo, de todas as lutas empreendidas pelos povos e nações oprimidas da história. Muito antes dos estragos causados pelos programas de ajustamento estrutural, tinha denunciado as políticas do Banco Mundial e do FMI e rejeitou a sua “assistência”. Tratava os “especialistas” de charlatões, cujos conselhos não faziam outra coisa senão afundar ainda mais os países em crise econômica e a dependência externa. Ao mesmo tempo, fustigava a ''ajuda'' internacional que contribuia para um agravamento da dependência internacional dos países do sul. Isso fez dele um revolucionário profundamente sincero e solidário com todos os povos em luta. Seu valor, sua coragem, seu carisma e liderança visionária haviam torná-lo numa lenda viva. Seu último sacrifício e a profundidade de sua mensagem, fez dele um herói lendário, um 'magnífico princípe negro'' que, como Malcolm X, o afro-americano, voltará algum dia para libertar os povos africanos da opressão. .

3) A visão de Sankara sobre a Libertação de África
Para Thomas Sankara, a luta é a única via possível para a liberdade e felicidade. Havia então que mobilizar o povo para que lutar para o progresso social, a justiça, a liberdade, a soberania e por recuperar a sua dignidade humana. Para ele, essa dignidade era fundamental. Tudo o mais era subordinada a este objectivo primordial. Portanto pensava que a distribuição do produto nacional e o modelo de consumo devia ser dependentes da realização deste objectivo. Daí o princípio segundo o qual, se deve ''contar com suas próprias forças'' e consumir o que produzem. A soberania alimentar era uma das estratégicas políticas de Sankara, porque era consciente de que um país que não poderia alimentar-se corria o risco de perder não só a sua independência mas, sobretudo sua dignidade. Para mobilizar o povo e reforçar sua unidade, Sankara sabia que tinha que acabar com o apartheid nacional, um sistema em que uma minoria tinha a maioria dos recursos. Esta situação resultou de relações feudais incentivada pela colonização. Para Sankara, a realização destes objectivos passava pelo fim do neocolonialismo e da reconquista da soberania dos povos sobre seus próprios recursos. Na verdade, para ele, o necolonialismo é o principal inimigo que impede a realização destes objectivos. Assim, combater e vencer o neocolonialismo é a condição necessária para a culminação da libertação de África. Sankara aprofundou neste sentido mais que qualquer líder revolucionário ou progressista depois de Nkrumah e Cabral, aplicando o princípio de que para ser autêntica, a segunda libertação da África tinha de levar à construção do socialismo. Em outras palavras, a verdadeira libertação não era possível sob o capitalismo. Isto é ainda mais compreensível se considerarmos o alto preço que África pagou para o nascimento e desenvolvimento do capitalismo. Como bem sabemos, a escravidão desempenhou um papel fundamental no que Karl Marx chamou “acumulação primitiva” de capital. O colonialismo tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento do capitalismo em E.E.U.U. e em particular a Europa. A prosperidade actual desses países vem em grande parte da pilhagem dos recursos do continente africano e de outros países em desenvolvimento. Portanto, qualquer emancipação econômica, social, política e cultural do continente deve necessariamente passar pela ruptura com o capitalismo. A visão, as idéias e acções de Thomas Sankara têm sido largamente ecoada em todo o continente, porque ele encarnava a permanente subversão contra os valores e as instituições do imperialismo e do colonialismo, contra a dominação estrangeira. Encarnava uma visão optimista do futuro, contra o discurso que predominava na África. Portanto se opôs ao fatalismo da ''pobreza'' para mobilizar a seu povo a fim de enfrentar seus próprios problemas, em vez de contar com uma suposta ''ajuda'' international. Com o seu ímpeto, o povo de Burkina Faso fez proezas impensáveis, incluindo a construção da ferrovia entre Ouagadougou e Kara, o número de barragens pequenas e, especialmente, a realização da soberania alimentar.

Em quatro anos, entre 1983 e 1987, conseguiu quebrar alguns mitos, muito tenazes, e minar a credibilidade de muitos estereótipos sobre a África graças a sua grande visão, a clareza do seu pensamento e da sinceridade de suas convicções.

B) As lutas actuais em várias frentes

Mas a visão e acção de Sankara tinham um alcance que transbordava as fronteiras de Burkina Faso e das do próprio continente. Ele tinha muitos seguidores no resto da África. Assim, ele se tornou no herói e na referência da juventude e todas as forças que lutam em distintas frentes pela segunda libertação da África.

1) As lutas dos intelectuais e movimentos sociais
Como já mencionado anteriormente, as políticas que faziam parte das prioridades de Thomas Sankara são hoje o núcleo das lutas dos intelectuais e movimentos sociais africanos. A mobilização contra os programas de ajustamento estrutural, a luta pela anulação da dívida externa ilegítima do continente, a celebração dos ideais pan-africanistas e de integração de África, e rejeição das políticas neoliberais, formam uma série de lutas que todas tendem à libertação total de África, para que o continente possa assumir o seu destino. Essas lutas são apoiadas por movimentos sociais e intelectuais como Samir Amin, Théophile Obenga, grande discípulo de Cheikh Anta Diop, Jean-Marc Ela, Aminata Traore, Boubacar Boris Diop, Pheko Mohau, Thandika Mkandawire, Yash Tandon, Issa Shivji, Adebayo Olukoshi e os pesquisadores agrupados dentro do Conselho para o desenvolvimento da pesquisa em ciências sociais em África (CODESRIA), Sra. N? dri Assie Lumumba e as pesquisadoras agrupadas na Associação de Mulheres Africanas para a Investigação e Desenvolvimento (AFARD ), os Srs. George Nzongola, Elikia Mbokolo, Djibril Tamsir Niane, eminentes historiadores, e muitos mais.

Todas estes intelectuais compartilham os valores incorporados por Sankara e seus ilustres antecessores. Contituem um verdadeiro ''exército da sombra, e levam a cabo uma luta sem concessões contra o neocolonialismo e os seus representantes na África, em particular contra a “Françafrique”, contra a dominação imperialista e todas as formas de dominação estrangeira, assim como contra a pilhagem dos recursos de África. Algumas delas reagiram fortemente às falácias e palavras insultuosas que Nicolas Sarkozy pronunciou contra a África, durante sua visita a Dakar em julho de 2007. Estes intelectuais liderando a luta contra o Banco Mundial, o FMI e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Eles têm contribuído significativamente para subtrair crédito a estas instituições e a deslegitimar suas políticas. também têm contribuído significativamente a chamar a atenção dos líderes africanos sobre o perigo dos Acordos de parceria económica que a UE quer impor a África. Ao nível político, têm desempenhado um papel fundamental na consciencialização dos líderes africanos sobre a necessidade de acelerar a unidade do continente e reapropriação das idéias defendidas por Nkrumah, Lumumba, Cabral, Nasser, Cheikh Anta Diop, Nyerere e Sankara, entre outros. O debate actual sobre os Estados Unidos de África e do governo da União Africana é um exemplo claro da sua influência. Eles são os portadores de um pensamento radical que tende a destruir a mentalidade herdada da escravidão e do colonialismo. Trata-se de um pensamento profundamente optimista e que tem fé na capacidade dos povos africanos para moldar o seu próprio futuro de forma independente e para encontrar sua própria via de desenvolvimento, fora dos supostos modelos “universais”. Por este pensamento, não pode haver uma experiência de desenvolvimento ''universal'', mas sim experiências marcadas pelo seu tempo e pelas características do seu espaço cultural e social. Podem conter algumas lições úteis, mas não pode ser aplicadas tal qual em outras sociedades. Esse pensamento é profundamente libertadora e se basea na confiança que tem na inteligência criativa do pensamento dos povos africanos. Se trata de pensamento audaz, subversivo e vigilante contra qualquer forma de dominação. Esses intelectuais estão integrados em movimentos sociais africanos, que desafiam o paradigma neoliberal e procuram construir de Outra África. Estão também influenciados pelas idéias e exemplo de Sankara e seus ilustres antecessores. O legado de Sankara e a influência de suas idéias e suas mensagens são tão presentes que o ano de 2007, correspondente ao vigésimo aniversário de seu assassinato, foi declarado ''Ano Sankara'' pelos movimentos sociais africanos. Esses movimentos querem construir uma Outra África através e para seus povos. Uma África libertada da dominação estrangeira, uma África unida, democrática e forte, que têm um peso significativo no mundo. Este objectivo desafia de forma magistral as forças que querem continuar exercendo a sua dominação sobre a África e a pilhagem dos seus recursos. A prossecução deste objectivo é um Manifesto de liberdade e emancipação intelectual, política, económica e cultural de grande significado histórico. Na verdade, o primeiro passo para acabar com a dominação imperialista e neocolonialista é a emancipação dos espíritos. Não dizia Steve Biko, herói e mártir da Revolução na África do Sul que ''a arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido''?
E um dos papéis fundamentais dos intelectuais e movimentos sociais africanos é o de contribuir para essa emancipação, sem a qual todas as outras formas de emancipação não teriam nenhum sentido. Rejeitar e subtrair créditos aos valores do sistema imperialista, deslegitimar a este sistema e as suas instituições, este é o processo que deve levar a liberação mental e intelectual, sem a qual não pode haver nenhuma libertação. Ao mesmo tempo, devemos forjar novos valores e conceitos a partir da realidade vivida pelos próprios africanos e não a que os outros descrevem para eles. Mas a influência de Sankara para a Segunda Libertação da África não se limita aos movimentos sociais e intelectuais. Também é notável a nível dos Estados Africanos e dentro das instituições regionais e continentais.

2) A nível dos Estados

Sem dúvida, a queda do odioso regime do apartheid na África do Sul em 1994, deu uma nova dimensão à luta pela Segunda libertação de África, a nivel politico. A criação da União Africana em 2001, o debate actual sobre os Estados Unidos de África são outras etapas importantes nesta luta. Na verdade, ele reflecte uma determinada tomada de consciência por parte dos líderes africanos, de que a unidade real de África é o único meio de sobrevivência do continente face aos desafios colocados pela globalização neoliberal. Mas o debate sobre os E.U. da África constitue sobretudo uma homenagem a Kwame Nkrumah e a todos aqueles que compartilharam sua grande visão e sua luta pela unidade não só dos povos africanos, mas também da diáspora. A rejeição unânime dos Acordos de parceria económica (APE) pelos chefes africanos, em Lisboa, 8 e 9 de Dezembro de 2007 é outro exemplo da maturidade de um processo de ruptura com o neocolonialismo.

(...)

Fonte:CasasdeÁfrica.
Escrito por Demba Moussa Dembele
Traduzido por Abenaa.